sexta-feira, junho 01, 2007

Pobreza, Dívida Externa e as Três Instituições Irmãs - FMI, Banco Mundial e OMC

Universidade de Coimbra / 20.04.2007

Restrições financeiras, económicas e políticas na estratégia global contra a pobreza

1. Para conduzir eficazmente a luta contra a pobreza é preciso tornar claros os objectivos e as perspectivas que se adoptam e os condicionamentos existentes. No plano europeu, é importante ter em conta os condicionamentos financeiros e nomeadamente os advenientes do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Essas restrições e as que se radicam nas limitações do Orçamento europeu dificultam um maior envio de verbas para a luta contra a pobreza à escala mundial.

2. Houve já uma pequena alteração no texto do PEC relativamente à versão inicial, mas essa modificação apenas introduziu uma moderada flexibilidade, tendo nomeadamente em conta a evolução do ciclo económico. As propostas de modificações mais incisivas, apresentadas nomeadamente por António Costa, pelo autor deste texto e por outros deputados à Assembleia da República não tiveram o necessário eco nas instituições europeias. Ao mesmo tempo, Eduardo Ferro Rodrigues, então secretário geral do P.S. , enviava aos líderes europeus dos Partidos membros da Internacional Socialista, um documento propondo a adopção dos critérios essenciais aprovados na Assembleia da Republica. Essa actuação teve uma influência muito moderada na posição ulteriormente assumida pela Comissão Europeia e ratificada pelo Conselho ECOFIN, no sentido da ligeira flexibilização dos critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

3. Em qualquer caso, os protagonistas contam muito, e por exemplo, se Gordon Brown ascender efectivamente ao cargo de primeiro-ministro britânico, como se espera, talvez a estratégia europeia contra a pobreza ganhe um novo impulso. Não podemos esquecer a sua actuação, quando Brown propôs uma histórica redução da dívida dos países mais pobres, da ordem dos 70 mil milhões de libras. Essas propostas vieram, em boa parte, a ser aceites pelas grandes potências. No seu discurso, como Chanceler britânico do Tesouro, referiu que "não se tratava de apagar as dívidas dos países mais pobres porque não seriam facilmente pagas " mas sublinhou que isto se fazia porque o peso das dívidas impostas na anterior geração impedia a actual de começar a construir o futuro. Uma parte dessa divida é também uma responsabilidade do Banco Mundial, do FMI e de alguns Bancos de Desenvolvimento. O que Brown propôs não teve somente a ver com a dificuldade de pagar as dividas mas essencialmente com a preocupação de dar prioridade, nesses países altamente endividados, aos investimentos em saúde, educação e infra-estruturas, dando-lhes espaço para ultrapassar essa espécie de estrangulamento financeiro a que estavam submetidos. Esperemos que a ascensão a primeiro-ministro não retire a Gordon Brown a capacidade de iniciativa neste domínio e noutros.

4. Mas a Europa não pode ignorar também a pobreza no seu seio. Na União Europeia, haverá pelo menos cerca de 15% de cidadãos considerados abaixo do limiar de pobreza. E, apesar de se celebrarem 10 anos de coordenação das estratégias de emprego, a luta contra a pobreza no interior da União não tem sido, globalmente considerada, realmente eficaz, mau grado os esforços desenvolvidos nalguns Estados-membros.

5. Refiramos entretanto o papel das " Três Irmãs". A actuação do F.M.I causou, em diversos casos, perturbações na economia de muitos Estados nomeadamente do hemisfério sul, essencialmente devido à concepção ultra – monetarista de boa parte das suas intervenções. A contestação bastante generalizada às suas formas de actuação tem tido, apesar de tudo, alguma influência na evolução das suas formas de actuar.

6. Quanto á acção do Banco Mundial, tem sido criticada um pouco por toda a parte, estando já a sua imagem bastante degradada pela actuação do seu presidente Paul Wolfowitz, expoente do neo-conservadorismo norte-americano, o qual exibiu comportamentos de insuportável nepotismo. Mas não se pode negar aspectos bastante positivos em diversas actuações do B.M., em fases anteriores.

7. Relativamente ao papel da O.M.C., os seus esforços têm sido muito limitados no combate ao "dumping social" e ambiental. E a actuação do Comissário Europeu Mandelsson está longe de ser consensual. Para muitos europeus, Peter Mandelsson não é isento no conflito de interesses entre produtores europeus, distribuidores na Europa e importadores da África.

8. A estratégia mundial norte americana contra a pobreza deixou de ter qualquer acção significativa depois da ascensão de George W. Bush à Presidência dos EUA. Os objectos essenciais deste Administração são a hegemonia mundial no plano politico – militar e a liberalização acelerada do comércio mundial, nos sectores que mais interessam à expansão da economia dos E.U.A. Esperemos que uma futura presidência democrática liderada, por exemplo, por Hillary Clinton, possa alterar radicalmente a situação, voltando a comprometer os Estados Unidos no combate a pobreza.

9. Na América do Sul conhece-se uma estratégia de algum êxito na luta contra a pobreza. É o caso do Brasil. Mas a radicalização social nalguns outros Estados latino-americanos poderá não ser necessariamente boa para a redução da miséria, especialmente se as convulsões sociais se generalizarem e a aplicação de estratégias de crescimento económico se revelarem ineficazes no terreno social.

10. Quanto à Africa, é necessário ter em conta a adopção de uma nova perspectiva. O discurso de José Maria Neves, primeiro-ministro cabo-verdiano, no Porto, marcou o último Congresso do Partido Socialista Europeu, em Dezembro 2006, com a rejeição da predominante perspectiva assistencial e a denúncia das responsabilidades de algumas elites africanas no bloqueio destes processos de desenvolvimento. Efectivamente, existe uma permanente " confiscação" de uma parte significativa das verbas transferidas dos Estados do hemisfério norte e de organizações internacionais, por boa parte das elites politicas e económicas africanas. Impõe-se nomeadamente apoiar os dirigentes e os trabalhadores africanos na perspectiva do desenvolvimento mundial e do trabalho decente.

11. Quanto às grandes potências emergentes, a economia de mercado vai funcionando, de forma cada vez mais alargada coexistindo com uma brutal exploração da mão -de -obra local e de Estados vizinhos e ainda com direitos de cidadania e sindicais nalguns casos inexistentes e noutros reduzidíssimos.

Em qualquer caso, é preciso termos em conta:

- Que em parte das empresas onde isso se passa, já
estão presentes capitais e gestores ocidentais, associados frequentemente aos novos patrões asiáticos.
- Que só num Estado como a China, nos últimos anos, mais de trezentos milhões de pessoas, terão saído do que se pode chamar de " limiar da pobreza", apesar de algumas dúvidas existentes quanto à definição precisa desse limiar.
- Que a degradação ambiental, em vários desses Estados, não só corresponde a uma espécie de "dumping" no comércio internacional, como vai gerar novos problemas a resolver.

12. É preciso não esquecermos que, por exemplo, nem chineses nem vietnamitas sentirão, na sua esmagadora maioria, saudades do sistema económico anterior. E será à medida que as suas economias crescem mais e mais, que se entenderá a necessidade de evitar a degradação ambiental, de respeitar direitos laborais, de abrir perspectivas de negociação e de estabelecer sólidos sistemas de segurança social.

13. Na Europa, tudo passará também por reforçar as estratégias de inclusão e de apoio social, tentando impedir, contra o domínio das concepções ultra liberais, o agravamento das desigualdades sociais e entre regiões, aplicando pelo contrário, os princípios de solidariedade, decorrentes do modelo social europeu, em qualquer das suas versões. Possa a Presidência Portuguesa da União Europeia dar um impulso sério neste sentido.

14. Na luta contra a pobreza, é necessário trabalhar estreitamente com as autoridades democráticas e as organizações sociais que, efectivamente, no terreno social, económico e político, lutam contra a pobreza.

15. Numa estratégia de luta contra a pobreza, é necessário ajudar os países em desenvolvimento a utilizarem as capacidades essenciais para o seu desenvolvimento. Isso passa pelas políticas monetárias e fiscais, pela construção de infra-estruturas, pela transparência financeira e administrativa pelo apoio ao investimento privado e pela necessária utilização de fundos internacionais.

16. O países que procuram sair de um contexto dominante de pobreza têm de ter em conta a sua necessidade de:

- participação na economia internacional
- estabilidade social e política
- incentivarem o investimento privado, interno e internacional

17. É claro que:

- Os benefícios sociais reduzem o risco da pobreza
- Melhor educação reduz o risco da pobreza
- Boas politicas de empregos reduzem o risco de pobreza.
Quanto às carências na Saúde e a habitação degradada são simultaneamente causas e consequências da pobreza.

18. É preciso ter em conta a importância de uma estratégia de desenvolvimento económico e socialmente sustentável. Exige-se protagonismo e acção mais eficaz na Europa da União, uma inflexão na política norte-americana, um diálogo forte com as potências emergentes e um trabalho conjunto com a Africa e a América Latina.

Claro que a ambição não consiste apenas em diminuir, esbater, reduzir ou diluir a pobreza no contexto social europeu e mundial.

Como escreveram Delors e Rasmussen em "La nouvelle Europe sociale " "la mondialisation doit être doublée d'une dimension sociale forte."